Algo precisa mudar

É PRECISO NÃO ESPERAR

Na semana passada, recebi mensagem de um casal habilitado para adoção numa comarca vizinha. A pessoa relatou:

“Estamos habilitados desde março e até agora nada. Já somos pais adotivos de um menino hoje com 09 anos. Na nossa lista de preferência não especificamos gênero nem cor. Apenas a idade até 09 anos. Aceitamos irmãos. Impossível não ter nenhuma criança assim nesse Brasil afora!!!! O tempo passa e nós cada vez mais apreensivos. Nosso filho nos espera em algum lugar”.

Não tenho acesso ao Cadastro Nacional de Adoção (CNA) de habilitados de outras comarcas. Para verificar, simulei a alteração do cadastro de um habilitado de Farroupilha. Inseri no CNA que o habilitado aceitava criança de até 09 anos, independentemente de gênero ou cor, com irmão. Resultado: apareceu ao lado do nome do habilitado (481).

Cliquei no (481). Abriu a identificação de 481 crianças aptas para o casal. Respondi à pessoa que deveria buscar a comarca onde está habilitada para que fosse feita a busca.

A pessoa respondeu:

“Já fui e a resposta que obtive foi: ‘É preciso esperar. Não é vocês que estão na fila. É a criança. E a de vocês ainda não chegou’.”

Isso não está certo. Não é admissível que 481 crianças de até 09 anos estejam, há tempo, esperando uma família e que haja habilitados, desde março, esperando aquela criança para lhe dar afeto e carinho. Estamos em outubro. O fato me soou como uma dor tangente, um desrespeito aos direitos fundamentais das crianças. Isso precisa mudar.

Fiz diversas outras simulações e constatei que o número entre parênteses muda muito. Vejam: se o casal aceitasse criança de até 01 ano, apareceria (07); se fosse até 03 anos, (53); até 05 anos, (133); até 15 anos, (2.429); até 17 anos, (3.789).

É preciso não esperar – há crianças e adolescentes na fila. É preciso ir à busca. É preciso ter atitude adotiva. Deixar o amor surpreender. Entender que filho a gente não escolhe, acolhe. Sempre cabe mais um. Nunca é tarde para amar. Quem sabe faz a hora…

Este texto não é meu. Eu o copiei do facebook do Dr. Mario Romano Maggioni, juiz da vara da infância e juventude de Farroupilha, no Rio Grande do Sul.

Decidi abrir minha postagem com esse texto pois, muitas vezes, tento me convencer e convencer outras pessoas de que a justiça no Brasil está trabalhando para ajudar aos futuros pais a encontrar seus filhos, e principalmente, de que a justiça está totalmente empenhada em encontrar uma família para crianças que já sofreram muito e merecem ter um lar feliz, saudável, acolhedor e principalmente, um lar disposto a amar.

Entendo que o processo de habilitação precisa ser detalhado, precisa exigir muita comprovação, algumas entrevistas, muita conversa. Isso para ter certeza de que aquele casal está apto a receber uma criança. Aliás, esta semana, em conversa com um casal de clientes, também no RS, ouvi que todos os pais, tanto os que decidem por adotar, quando os que têm seus filhos por vias biológicas, deveriam passar por um processo assim. Concordo em gênero, número e grau.

Voltando ao assunto. O processo de habilitação precisa ser detalhado, e com isso, provavelmente não será rápido. Mas após o processo ser concluído, tudo precisa ser mais rápido, muito rápido.

Temos visto muitos relatos de crianças que são abrigadas com menos de 5 anos, e continuam assim até seus 18 anos pois a justiça não se empenhou por encontrar alguém que pudesse tirá-la dessa situação.

Não é possível que, a vara da infância da cidade onde reside o casal citado pelo Dr. Mário nunca tenha se dedicado a buscar no CNA (algo que não deve tomar mais de 5 minutos) por uma criança para aquele casal.

Concordo que, a justiça busca família para as crianças abrigadas, mas se o inverso também fosse feito, teríamos um resultado efetivo também na primeira situação.

Hoje o post é breve, diferente da indignação que toma conta de mim nesse momento. Algo precisa mudar, pois “É PRECISO NÃO ESPERAR”.

Dia das crianças

Um dos assuntos recorrentes aqui é a espera, a ansiedade, a expectativa. E este texto não é sobre isso. O texto de hoje é sobre um assunto, para mim tão recorrente quanto, e que tem me feito perder sono, verter lágrimas, e que me pega várias vezes ao dia.

Hoje comemoramos o dia das crianças. Dia em que as crianças recebem carinho, atenção, presentes. Muitas escolhem o que querem almoçar, outras escolhem inclusive o restaurante onde toda a família vai almoçar, afinal “é dia das crianças e não dia das mães ou dos pais”.

Ultimamente uma das coisas que mais tem frequentado minha mente é a vida “paralela” que minhas crianças vivem hoje. O que tem sido da vida delas? Quais momentos de atenção carinho e amor elas tem recebido hoje, ou não.

Por mais que eu tente não pensar nisso, para não pirar ou para, pelo menos não sofrer, tem sido impossível nesses últimos dias. Já falamos aqui sobre a “mochila” das crianças, e tudo o que virá acompanhando-as, porém nos últimos dias tenho pensado não no que virá, mas no que está acontecendo hoje.

Existem alguns grupos no facebook, no whatsapp, além de grupos que se reúnem pessoalmente, onde pessoas executam um processo chamado busca ativa. Essas pessoas recebem os perfis de crianças e divulgam em diversos desses grupos buscando pais que tenham selecionado o mesmo perfil durante a habilitação. Michelle participa, como habilitada, de alguns desses grupos. Ontem, durante o meu almoço, recebi através dela a história de 2 crianças.

Menino, branco, saudável, amável, inteligente. Esse é o perfil de uma dessas crianças. Hoje ele tem 12 anos, está abrigado desde os 5.

Menina, 10 anos, negra, doce. Tem boa elaboração de sua história pessoal e está ansiosa pela adoção. Foi acolhida a 2 anos porque pretensamente o genitor cometera abusos (não se especifica quais) contra toda a prole, está em acompanhamento psicológico e sua única preocupação (leia, ÚNICA!) é o distanciamento dos irmãos. Menciona já ter sofrido muito com o pai.

Como ler esses relatos e não chorar? Como digerir essas histórias? Como dormir pensando no motivo pelo qual um menino branco de 5 anos não foi adotado antes de completar 12? Como tentar compreender o que se passa na cabeça dessa princesa de 10 anos que além da distância dos irmãos fica imaginando o que será que o “novo” pai vai fazer?

Por mais que eu queira não pensar do que minhas crianças estão sofrendo, isso acaba sendo inevitável.

Se eu pudesse ser criança mais uma vez, só teria um pedido.
Pediria que as minhas crianças estivessem aqui comigo hoje.
Assim eu poderia dar carinho, presentes, atenção.
Eu poderia mimá-las, amá-las!

Setembro

Como dizia a antiga propaganda “O tempo passa, o tempo voa…” e o tempo passou para nós. Setembro acabou e com ele completamos 1 ano desde que tomamos a melhor decisão das nossas vidas. Esses 12 meses para nós foi intenso.

Lidar com a ansiedade de uma gestação sem prazos, uma gravidez que não sabemos quando terminará. Podemos parir a qualquer momento, porém isso pode não ocorrer ainda este ano, e para nossa tristeza, pode ser que não aconteça nem no próximo semestre.

Muitas pessoas nos disseram, logo no início do nosso processo que não “devemos sofrer com a ansiedade”. Pedimos desculpas, mas isso tem sido impossível.

Michelle tem pesquisado grupos de suporte a pessoas na fila da adoção, porém não temos encontrado um que tenha nosso perfil. Isso tem feito falta, falar com alguém que saiba da nossa ansiedade, alguém que tenha vivido, ou que esteja vivendo algo assim.

Estamos reformando nosso apartamento, e quando contratamos os serviços de arquitetura não quisemos pensar no quarto das crianças. Fizemos isso (ou deixamos de fazer) por não saber o sexo, idade, nem quantas crianças realmente virão, tudo é incerto. Na semana passada contratamos a marcenaria para todo o apartamento, e aquele quarto vazio nos deixou de certa forma, angustiados por não “estarmos preparados para a chegada”. Tomamos a decisão de contratar também a confecção do guarda-roupa para as nossas crias.

Eu achei que esse “início” iria amenizar a dor da espera, mas isso não aconteceu.

Em busca de apoio e de suporte, um pouco mais “especializado”, a Michelle se cadastrou em alguns grupos no whatsapp, e nesses grupos, muitas pessoas dizem que devemos nos fazer presentes na vara da infância. Muitos desses relatos dizem respeito a processos que ficaram esquecidos, a perfis que não foram analisados, coisas assim. Então, na última quinta-feira fomos até a vara da infância. A vontade de ter notícias era tanta que nem nos lembramos de ligar antes para agendar, e por isso, fomos atendidos, de forma muito atenciosa, porém numa conversa rasa, que só comprovou que a espera pode ser mais longa do que realmente desejamos e principalmente, nos mostrou o quão “a pé” estamos.

A comarca de Campinas tem apenas 1 vara de infância, o que faz dela a segunda maior do estado, e por deixar pouco tempo para a equipe multidisciplinar trabalhar com as (mais de 500) pessoas que já estão na fila. Aliado a isso, como disse acima, temos encontrado alguma dificuldade em encontrar um grupo fora da vara para que possamos frequentar e compartilhar nossos sentimentos e ansiedades.

Assim passamos nossos últimos 12 meses, sempre olhando para frente, alimentando os sonhos, aumentando a coleção de ideias, e sempre tentando não sufocar com a ansiedade.