Era hora do almoço. Arroz, feijão, carne e beterraba. Cardápio enxuto. Comida extremamente cheirosa. Ainda salivo só de lembrar.
Os menores já estavam almoçando. Os maiores se arrumavam para ir para a escola. Banho, uniforme, cabelo, maquiagem para as meninas. E logo após o almoço dos pequenos, as “tias” os convidaram a tomar lugar à mesa.
Ainda enquanto os pequenos almoçavam, aproveitei para conversar com um menino, não sei ao certo a idade, mas ele se identificou como sendo o mais velho do lar. “C” (como vou chama-lo) aparenta ter por volta de 15 anos. Corintiano (eu disse a ele que nem todo mundo é perfeito, e ele matou na hora que sou palmeirense… não sei como!! rs), irmão de “R”, pouca coisa mais novo. Ambos destituídos. “C” era o rapazote que não queria ir a escola e quando questionado por mim me disse que preferia ficar em casa, deitado, quieto, parado, sem fazer coisa alguma.
Conheci duas meninas adolescentes, uma com 13 outra com 14 anos, ambas muito tímidas na minha presença. Nenhuma delas destituídas. Uma delas está passando por um processo de reaproximação com a mãe biológica, uma vez que o padrasto, que supostamente cometeu abusos físicos contra ela, seus irmãos (que ainda estão com a mãe) e contra a própria mãe, já não reside na mesma casa.
Fui apresentado a um mocinho de 12 anos, abrigado desde os 6 meses. Ele foi abandonado pela mãe, supostamente por ter nascido com paralisia cerebral e por isso com sérios comprometimentos motores. Ele não se movimenta, passa todo o tempo em sua cadeira de rodas, precisa de auxílio para absolutamente tudo. Mas sorriu quando fomos apresentados e sorriu mais ainda quando ganhou um cafuné em seus cabelos cacheados e macios.
Logo que entrei na casa, vi ao fundo duas pequenas. As mais novas meninas do abrigo. “G” com 2 e “L” com 7 anos.
“G” é negra, saudável, bravinha, lindíssima, já está destituída a um bom tempo, e todos na equipe do abrigo ainda não conseguem entender o motivo de ela ainda não ter sido adotada. “G” não olhou para mim. Nos poucos minutos que passei ao seu lado, ajoelhado próximo de sua cadeira, ela ficou cabisbaixa, olhos fixos no prato de comida. Não comia. Não me encarava. Não respondia às minhas perguntas. Quando eu saí ela voltou a comer. Quando perguntei se ela não queria falar comigo porque o “tio era feio”, ela concordou. Acho que pode ter sido a barba. Na verdade acredito firmemente que foi a barba! rs
“L”, é loira, extremamente simpática, aparenta ter no máximo 5 anos. Faz parte de um grupo de 3 irmãos, “D” de 5 anos, e “T” de 9 anos. Estão destituídos a um bom tempo. Tem histórico de violência doméstica por parte da genitora. Os 3 foram adotados pouco tempo atrás, e foram devolvidos após 6 meses, sob a alegação de que a família não se adaptou a eles. Segundo a equipe do abrigo os três são extremamente inteligentes. “L” foi descrita como a líder entre os irmãos. Sobre “T” foi dito que é muito tímido, principalmente por carregar consigo uma sequela dos atos de violência da mãe. Ele ficou cego do olho direito. E não bastasse a perda da visão, seu olho ficou com aparência diferente do esquerdo. Mesmo com uma prótese que o abrigo providenciou o psicológico dele ainda não cicatrizou.
Ainda não sei lidar com tudo o que vivi naquela manhã.
Antes de visitá-los eu tinha dúvidas se deveria realmente aceitar o convite.
Talvez eu estivesse, agora, arrependido por ter aceitar.
Tinha certeza de que não sairia dali igual entrei. Realmente, essa experiência me mudou.