Um misto de sensações – parte 3

Era hora do almoço. Arroz, feijão, carne e beterraba. Cardápio enxuto. Comida extremamente cheirosa. Ainda salivo só de lembrar.

Os menores já estavam almoçando. Os maiores se arrumavam para ir para a escola. Banho, uniforme, cabelo, maquiagem para as meninas. E logo após o almoço dos pequenos, as “tias” os convidaram a tomar lugar à mesa.

Ainda enquanto os pequenos almoçavam, aproveitei para conversar com um menino, não sei ao certo a idade, mas ele se identificou como sendo o mais velho do lar. “C” (como vou chama-lo) aparenta ter por volta de 15 anos. Corintiano (eu disse a ele que nem todo mundo é perfeito, e ele matou na hora que sou palmeirense… não sei como!! rs), irmão de “R”, pouca coisa mais novo. Ambos destituídos. “C” era o rapazote que não queria ir a escola e quando questionado por mim me disse que preferia ficar em casa, deitado, quieto, parado, sem fazer coisa alguma.

Conheci duas meninas adolescentes, uma com 13 outra com 14 anos, ambas muito tímidas na minha presença. Nenhuma delas destituídas. Uma delas está passando por um processo de reaproximação com a mãe biológica, uma vez que o padrasto, que supostamente cometeu abusos físicos contra ela, seus irmãos (que ainda estão com a mãe) e contra a própria mãe, já não reside na mesma casa.

Fui apresentado a um mocinho de 12 anos, abrigado desde os 6 meses. Ele foi abandonado pela mãe, supostamente por ter nascido com paralisia cerebral e por isso com sérios comprometimentos motores. Ele não se movimenta, passa todo o tempo em sua cadeira de rodas, precisa de auxílio para absolutamente tudo. Mas sorriu quando fomos apresentados e sorriu mais ainda quando ganhou um cafuné em seus cabelos cacheados e macios.

Logo que entrei na casa, vi ao fundo duas pequenas. As mais novas meninas do abrigo. “G” com 2 e “L” com 7 anos.

“G” é negra, saudável, bravinha, lindíssima, já está destituída a um bom tempo, e todos na equipe do abrigo ainda não conseguem entender o motivo de ela ainda não ter sido adotada. “G” não olhou para mim. Nos poucos minutos que passei ao seu lado, ajoelhado próximo de sua cadeira, ela ficou cabisbaixa, olhos fixos no prato de comida. Não comia. Não me encarava. Não respondia às minhas perguntas. Quando eu saí ela voltou a comer. Quando perguntei se ela não queria falar comigo porque o “tio era feio”, ela concordou. Acho que pode ter sido a barba. Na verdade acredito firmemente que foi a barba! rs

“L”, é loira, extremamente simpática, aparenta ter no máximo 5 anos. Faz parte de um grupo de 3 irmãos, “D” de 5 anos, e “T” de 9 anos. Estão destituídos a um bom tempo. Tem histórico de violência doméstica por parte da genitora. Os 3 foram adotados pouco tempo atrás, e foram devolvidos após 6 meses, sob a alegação de que a família não se adaptou a eles. Segundo a equipe do abrigo os três são extremamente inteligentes. “L” foi descrita como a líder entre os irmãos. Sobre “T” foi dito que é muito tímido, principalmente por carregar consigo uma sequela dos atos de violência da mãe. Ele ficou cego do olho direito. E não bastasse a perda da visão, seu olho ficou com aparência diferente do esquerdo. Mesmo com uma prótese que o abrigo providenciou o psicológico dele ainda não cicatrizou.

Ainda não sei lidar com tudo o que vivi naquela manhã.

Antes de visitá-los eu tinha dúvidas se deveria realmente aceitar o convite.
Talvez eu estivesse, agora, arrependido por ter aceitar.
Tinha certeza de que não sairia dali igual entrei. Realmente, essa experiência me mudou.

Um misto de sensações – parte 2

Antes de responder a pergunta final do post anterior, eu gostaria de falar um pouco sobre um dos tópicos da conversa com a equipe psicossocial.

Em um dado momento falamos sobre o processo de busca ativa que consiste, basicamente, em entregar cópias físicas do nosso processo de habilitação em comarcas, e num dado momento e para poucos casos, visita aos abrigos.

Falamos um pouco sobre as “famílias sociais”, os “apadrinhamentos afetivos” nos quais pessoas passam por um processo juntos às comarcas/varas de infância e, uma vez aprovadas, elas tem acesso a conviver com as crianças, que também passaram por um processo de análise que identificou que ela está apta a conviver com uma pessoa que não tem intenções de adotá-la.

Voltando ao assunto, falei a eles que não me sinto (ou não me sentia) preparado para visitar um abrigo, exatamente por não saber se conseguiria me comportar de maneira adequada.

Todos os que, pela primeira vez, tem acesso às crianças abrigadas são instruídos a ter uma série de comportamentos, entre eles, não demonstrar “dó/piedade/culpa/remorso”, não tratar por apelidos, falar/tratar a todos da mesma maneira evitando demonstrar mais interesse na criança A do que na B, e principalmente não fazer promessas, montar planos, oferecer coisas.

Meu medo não estava contemplado nesses itens.
Meu principal medo era o de me apaixonar por uma das crianças.
Era além de tudo, medo de não conseguir esconder isso. De não saber lidar com isso.
Medo. Muito medo.
Na verdade já tinha até um plano para o caso de isso acontecer… eu pegaria a criança, esconderia embaixo do casaco, e correria tal qual o Forrest Gump. (brincadeirinha!! rs)

“E aí, vamos conhecer as crianças?”

Respirei fundo. Pensei em algumas desculpas para não ir. Tentei dizer não. Mas disse sim.

Saímos da sala onde estávamos conversando e seguimos para outro prédio.

Uma casa. Um quintal. Uma quadra poliesportiva. Uma cama elástica. Muitos brinquedos espalhados. Uma das pessoas da equipe bate na porta, e um jovenzinho pergunta:
“você veio dizer que eu não vou precisar ir para a escola?”

Uma das cuidadoras destranca a porta, eu entro. Cumprimento o menino desejoso de matar aula, ele ouve a negativa para o seu pedido. Ele tentou. Nós rimos.

Uma das coisas que pude ver ali é um pequeno retrato do que já sabíamos. Das 29 crianças abrigadas a maioria é parda. Na verdade a maioria de todos os abrigados no Brasil é composta de pardos, no masculino. Sim, os meninos são a maioria, no Brasil, e naquele abrigo também. Muitos estão em grupos de irmãos, 3 ou 4, poucos nos grupos são apenas 2. Mais da metade é maior de 10 anos. Alguns têm necessidades especiais. Outros têm sequelas da vida anterior ao abrigo. Uma minoria está destituída. Muitos estão abrigados por um período que supera os 24 meses que a justiça diz ser o limite máximo.

…continua…

Um misto de sensações – parte 1

Um misto de sensações.

Assim descrevo a minha primeira experiência visitando uma casa abrigo.

Obs.: Este post será feito em partes. Primeiramente, aqui estará um resumo, um quadro geral. Em outros posts, falarei sobre detalhes (obvio que apenas o que poderá ser contado aqui!).

Antes de contar como é que foi (se é que eu vou conseguir escrever tudo até o final sem me desidratar completamente) preciso compartilhar como é que eu cheguei até lá.

Por indicação de alguém muito próximo, fiz contato com uma pessoa que dirige um abrigo de cidade pequena, cidade de interior.

A ideia, o motivo, o assunto principal seria:
– entender como funciona a busca ativa (assunto recorrente aqui).
– entender como é a rotina, o funcionamento, o dia-a-dia no abrigo.
– entender se haveria, naquele abrigo, ou em algum outro de conhecimento dessa pessoa, alguma criança que estivesse dentro do nosso perfil.

Visita agendada para as 9h00. Minhas mãos começaram a tremer às 8h00. O frio na espinha começou às 7h00. O sono se foi às 5h00.

Meu GPS não encontrava o endereço (tentei de muitas formas, quando percebi que estava grafando de forma incorreta o nome da rua… :p), mandei mensagem e consegui algumas dicas de como chegar.

Cheguei às 9h01, já me desculpando pelo atraso, extremamente nervoso, e até então acreditando que seria apenas uma conversa.

Papo vai. Papo vem. Conto toda a minha história. Entendo como é que o trabalho com o abrigo foi iniciado ainda em 1999. Questiono também sobre o trabalho do estado no funcionamento da casa. Tomo um susto ao saber quanto custa manter toda a estrutura.

Entendi um pouco sobre a melhor (mais correta, e acima de tudo, totalmente legal) forma de se fazer “busca ativa”.
Entendi também, muito sobre a rotina da casa abrigo.
Descobri que, não, eles não têm nenhuma criança, destituída do poder familiar, ou ainda por passar por isso, dentro do nosso perfil. Durante a conversa o telefone do meu interlocutor tocou. Era o diretor de outro abrigo. Questionado sobre a possibilidade de haver “algum grupo de irmãos, de 0 a 6 anos”, a resposta foi um doloroso não. 1 hora de conversa.

Fui então apresentado à equipe psicossocial do abrigo. São 2 jovens, de pouco mais de 25 anos. No pouco tempo de contato, consegui entender o tamanho da paixão, da dedicação e do empenho deles em melhorar a vida das crianças.

Entendi que, maiores do que as minhas dúvidas, eram as dúvidas deles. Explico. Eu queria entender como é a rotina, como é que eles são comunicados sobre o processo das crianças. Como é que acontece a aproximação. E principalmente, como é que acontece a saída das crianças.

Eles, do outro lado, me questionavam sobre todo o processo, sobre o “nosso lado da moeda”. Eles a cara. Eu a coroa.
Perguntas sobre nossa decisão. Sobre o nosso diagnóstico médico. 40 minutos de conversa.

“E aí, vamos conhecer as crianças?”

…continua…

Dia das crianças

Um dos assuntos recorrentes aqui é a espera, a ansiedade, a expectativa. E este texto não é sobre isso. O texto de hoje é sobre um assunto, para mim tão recorrente quanto, e que tem me feito perder sono, verter lágrimas, e que me pega várias vezes ao dia.

Hoje comemoramos o dia das crianças. Dia em que as crianças recebem carinho, atenção, presentes. Muitas escolhem o que querem almoçar, outras escolhem inclusive o restaurante onde toda a família vai almoçar, afinal “é dia das crianças e não dia das mães ou dos pais”.

Ultimamente uma das coisas que mais tem frequentado minha mente é a vida “paralela” que minhas crianças vivem hoje. O que tem sido da vida delas? Quais momentos de atenção carinho e amor elas tem recebido hoje, ou não.

Por mais que eu tente não pensar nisso, para não pirar ou para, pelo menos não sofrer, tem sido impossível nesses últimos dias. Já falamos aqui sobre a “mochila” das crianças, e tudo o que virá acompanhando-as, porém nos últimos dias tenho pensado não no que virá, mas no que está acontecendo hoje.

Existem alguns grupos no facebook, no whatsapp, além de grupos que se reúnem pessoalmente, onde pessoas executam um processo chamado busca ativa. Essas pessoas recebem os perfis de crianças e divulgam em diversos desses grupos buscando pais que tenham selecionado o mesmo perfil durante a habilitação. Michelle participa, como habilitada, de alguns desses grupos. Ontem, durante o meu almoço, recebi através dela a história de 2 crianças.

Menino, branco, saudável, amável, inteligente. Esse é o perfil de uma dessas crianças. Hoje ele tem 12 anos, está abrigado desde os 5.

Menina, 10 anos, negra, doce. Tem boa elaboração de sua história pessoal e está ansiosa pela adoção. Foi acolhida a 2 anos porque pretensamente o genitor cometera abusos (não se especifica quais) contra toda a prole, está em acompanhamento psicológico e sua única preocupação (leia, ÚNICA!) é o distanciamento dos irmãos. Menciona já ter sofrido muito com o pai.

Como ler esses relatos e não chorar? Como digerir essas histórias? Como dormir pensando no motivo pelo qual um menino branco de 5 anos não foi adotado antes de completar 12? Como tentar compreender o que se passa na cabeça dessa princesa de 10 anos que além da distância dos irmãos fica imaginando o que será que o “novo” pai vai fazer?

Por mais que eu queira não pensar do que minhas crianças estão sofrendo, isso acaba sendo inevitável.

Se eu pudesse ser criança mais uma vez, só teria um pedido.
Pediria que as minhas crianças estivessem aqui comigo hoje.
Assim eu poderia dar carinho, presentes, atenção.
Eu poderia mimá-las, amá-las!

Um dia a menos

2016-09-12-17-26-45Durante o final de semana eu escrevi um post sobre outro assunto, mas o tempo foi curto, e eu não consegui terminar o texto. Então, eu me programei para fazê-lo hoje, após o final do meu expediente. Porém uma foto mudou tudo.

Hoje pela manhã a Michelle decidiu postar uma foto, muito inspirada ela colocou uma legenda que falou fortemente ao meu coração.

Assim como muitas coisas na vida, desconhecemos o momento em que vamos encontrar com nossos filhos. Sabemos que, em algum lugar, eles nos esperam. Acreditamos que Deus já os separou para nós. E pedimos a Ele que essa espera seja breve.

Mas aquela legenda me fez pensar de uma forma diferente, como quem olha para um desses joguinhos da internet e diz: como não vi isso antes.

Desde que fomos habilitados, toda vez que o telefone toca e no identificador está um número que não conhecemos, o coração dispara. Muitas vezes são dois ou três desses “mini-infartos” por dia!

Isso é bom, pois sabemos que a qualquer momento a notícia mais esperada das nossas vidas virá.
E isso também não é bom, pois às vezes é só o Moacyr Franco querendo nos vender alguma coisa.

Mas, voltando ao texto da Michelle, muitas vezes, precisamos olhar para o mesmo ponto por outra perspectiva. E às vezes precisamos ver com outros olhos.

Esse texto de hoje é curto, pois muitas vezes não precisamos de muito para dizer o que sentimos. Em alguns momentos, 1 sentença ou 12 palavras falam mais do que um texto de 267.

Filho(a): Cada dia que se passa, é um dia mais perto de você.

Sobre esse blog: falar não apaga a dor, mas a ameniza

Domingo passado eu postei sobre respeito. Falei sobre um assunto que dói. Indiferença, críticas, questionamentos invasivos, pessoas confrontando nossa decisão.

Recebemos desde a postagem (e se você não leu, leia aqui!) muitas mensagens de apoio, de suporte. Isso nos fez um bem imenso.

Esse blog sempre teve, desde seu início, lá no planejamento, a intenção de ser algo informativo sobre nossa vida. O motivo principal dele é extravasar nossos sentimentos, mostrar nossa jornada, contar para nossos amigos e parentes/familiares sobre a forma como nossos filhos irão chegar (imagina, do nada, chegarmos à casa de uma tia com duas crianças, uma de 2 e outra de 5 anos!!), além de documentar para nossos filhos qual foi o caminho que seguimos para tê-los conosco.

Uma pretensão que esse blog nunca teve foi o de servir de inspiração para outras pessoas.

Desde o primeiro post desse blog, conhecemos histórias de casais que, assim como nós, se depararam com o diagnóstico matador: sem auxílio, vocês não vão engravidar. Isso dói.

Ouvimos (e lemos) de pessoas que tentaram por meses, anos, e desistiram sem investigar os motivos. Outras que foram investigar e descobriram problemas com uma das partes, outras descobriram problemas com ambas. Pessoas que quando iniciaram as tentativas já sabiam que isso poderia ser difícil por problema A, B, C ou D.

Casais que se trataram e conseguiram. Outros que mesmo tomando remédios, vitaminas, injeções, drágeas receberam uma dose extra de dor e frustração. Casais que optaram por um auxilio médico mais extenso, através de inseminação ou fertilização in vitro. Outros que assim como nós, decidiram-se pela adoção.

Hoje recebi uma mensagem de uma pessoa com quem eu não conversava fazia muito tempo. Alguém que conheci em minha adolescência, perdi contato, mas por obra do facebook, retomamos contato tempos atrás.

Como não queria expor essa pessoa, pedi autorização. Não vou postar toda a conversa para que isso não a identifique, mas como ela me autorizou a falar sobre isso, seguem abaixo alguns trechos:

“…sei muito bem todos esses sentimentos que descreve em seu blog.”.

“Só quem sente na pele todos esses medos e frustrações entende…”.

“Fizemos tratamento e nada!!!!”.

“E dói. Dói muito. Dói na alma…”.

O que eu entendi com tudo isso? Entendi que falar não apaga a dor, mas a ameniza, e ameniza muito. Entendi que quem vê de fora não imagina o que passamos, assim como eu não imaginava isso deles. Entendi que não estamos sozinhos.

Entendi também que, mesmo sem a pretensão de ser algo para inspirar outros, esse blog tem ajudado outras pessoas.

Pessoas que são ajudadas ao saber que o que elas passam não é castigo, e que esse tipo de situação não acontece apenas com elas. Pessoas que são ajudadas de outra forma; Dia desses fiquei sabendo que depois de ler esse blog, um marido que era avesso ao assunto adoção foi até a vara de infância e surpreendeu a esposa com a lista de documentos que eles deveriam amealhar.

Você pode chamar de destino, coisas da vida. Eu acredito que isso seja obra de Deus, e que o que esse blog se tornou (pretendo a partir de agora trabalhar para melhorar esse aspecto) não foi por acaso.

Ler ao final da conversa “Ainda não tivemos esse tipo de decisão, mas quem sabe não nos animamos né? Rsrs”, é algo que me emocionou profundamente, e me dá mais formas para escrever aqui.

Se for para dar forças uns para os outros.
Se for por isso que esse blog existe, vamos em frente!

#ForçaPraNós

P.S.: Nessa semana soubemos de um casal muito amado que passou por momentos tristes. A perda de um bebê, mesmo que no início da gravidez é algo difícil. Amados, estamos em oração por vocês. Vocês não estão sozinhos.

De todos, o primeiro presente!

Ontem foi um dia atípico. Na verdade, o dia de ontem começou logo após a primeira publicação deste blog. Era 18 de maio, eu estava em Goiás viajando a trabalho, quando perto do meio dia recebo uma mensagem de uma amiga, a Helô.

Ela, que é fotógrafa profissional, me dizia que tinha amado a ideia do blog, disse que fazia votos de que a espera fosse breve para que pudéssemos abraçar nosso “presentinho”. Trocamos mais algumas palavras quando ela me disse que queria nos dar um presente. De cara achei que seria alguma roupinha, ou algo assim. E ela me perguntou: “Vamos fazer um ensaio de espera? ;)”.

Na hora eu gelei. Uma semana antes, Michelle havia me dito que gostaria muito de fazer, mas que o custo disso não cabia no nosso orçamento. Então o gelo passou. Na verdade, acho que derreteu em meus olhos. Eu chorava muito, de soluçar. Isso tudo no restaurante onde eu havia parado para almoçar. E sim, todo mundo ao meu redor me olhava!! rs

Ela me questionou sobre o processo (eu estava no início deste blog, então não tinha contado tudo ainda…), para alinhar as datas e os prazos, afinal seria um ensaio da espera, e nesse caso teria que ser feito antes das crianças chegarem.

Combinamos de que ela adicionaria a Michelle no facebook, para que o planejamento ficasse mais fácil.

Então eu liguei para a Michelle. Choramos (já não mais no restaurante!! rs) os dois ao telefone. Estávamos radiantes. Nosso primeiro presente. Um presente que com certeza marcaria nossa jornada.

Desde então foram muitas mensagens, referências, informações, pesquisas, e muita ansiedade, afinal isso seria outro registro da nossa espera, da preparação, e do desejo de ter nossos filhos nos braços.

Saímos em busca do local. Pensamos em 2 espaços. O “parque” dos girassóis, e o bosque do Swiss Park, ambos em Campinas. O primeiro local não estava tão bonito, pois a florada dos girassóis já havia acabado. Mas mesmo que estivesse em plena exuberância do amarelo, o bosque nos arrebatou. O verde, os espaços, as águas, tudo perfeito. Local escolhido.

Começamos a colecionar itens que seriam utilizados no ensaio. Sapatinhos emprestados das pajens do nosso casamento, Gabriela e Rute, filhas das primas da Michelle. Placa em madeira com a palavra “Adoção”, feita por um amigo meu, o Júnior. Decoração dessa plaquinha feita, carinhosamente por outra Gabriela, prima da Michelle (sim, ela tem 2 primas com o mesmo nome… rs). Camisetas de super-heróis, inclusive para a Boina.

Tudo isso, porém, ainda nos deixava com uma dúvida. Em todo ensaio existe a peça central, seja o bebê recém-nascido, seja a barriga da gestante. Em nossas pesquisas encontramos alguns ensaios de espera, em um já havia uma criança, em outro os pais apresentavam os presentinhos que foram comprados, já num outro havia até o nome da criança estampado em letras de papel. Mas no nosso não haveria nada disso.

Escolhemos uma data, marcamos, mas por problemas cotidianos postergamos, até que encontramos um dia que seria perfeito, tanto para nós, quanto para a Helô. O dia era 13 de agosto. No caso, ontem.

Durante essa semana conversamos por mensagem com a Helô. Recebemos preciosas dicas sobre o que vestir, inclusive sobre a troca de roupas, sobre a maquiagem da Michelle, e até coisas que nunca imaginamos, o que comer antes do ensaio. E assim fomos nos preparando.

Michelle, cabelo, unha, maquiagem, ok.
Boina, banho, brincos (tudo bem que ela perdeu um deles antes do ensaio) roupinhas, ok.
Rodrigo, barba, unhas cortadas, ok.
Sorrisos, ok!
Água, roupas para a troca, os sapatos, a plaquinha, balões de gás hélio em formato de coração, petiscos e jornal para a Boina (ela gosta de se manter informada!! rs), ok!

Chegamos no local do ensaio alguns minutos antes do horário marcado, encontramos com a Helô, e seguimos para o bosque. O dia estava lindo. Temperatura agradável, nem frio, nem calor. Vento perfeito. Carregamos tudo para um dos espaços, e a Helô iniciou as “instruções”.

“Nesse ensaio queremos captar a sintonia do casal”. Pronto. Agora eu havia entendido. Tudo fazia sentido. Nossa relação, cumplicidade, amor, amizade, era isso. Como no caso de uma gravidez “física”, o filho nasce assim. Como ela colocou na legenda de uma das fotos “Todos os filhos são gerados primeiramente no coração”.

Iniciamos a sessão, fotos com a Boina, algo mais família, fotos mais “descoladas”, algo bem informal. Como já esperávamos, o profissionalismo da Helô foi imenso, sempre muito clara nas instruções. Sempre atenciosa com os detalhes, e principalmente com os nossos sentimentos e bem-estar. Caminhamos um pouco, e conforme os passos eram dados, as ideias na cabeça da Helô iam surgindo. Ângulos, poses, luzes, sombras, composições.

Segunda parte. Em outra área dentro do condomínio. Um lago, uma ponte, um moinho de vento. Fotos um pouco mais românticas. Algo mais íntimo, mais sério, mais formal. A Helô nos pediu para contar toda a nossa história. E enquanto narrávamos, as fotos eram feitas. Essa conexão foi fundamental. Chama a Boina. Monta a composição com os sapatos. Mais fotos.

Vamos tentar outra locação? Ainda dentro do condomínio, uma capelinha branca e azul onde, naquele momento, se realizava um casamento, ou um batizado, algo assim com pessoas muito bem vestidas. Caminhamos por uma trilha de pedras, outras fotos. Na volta para os carros a Helô olha para o moinho de vento. Vamos fazer fotos por outro ângulo. Michelle, Boina e eu. Pronto. Encerramos. Ou não.

Caminhávamos até a Helô, para agradecer e nos despedir. Ela diz para ficarmos próximos, tocando rosto com rosto, mãos com mãos. Algumas fotos e a Helô então nos pede para fazermos uma oração, agradecendo por tudo, e pedindo para que a nossa espera seja breve. A emoção se aflorou ainda mais. Essa é a foto que vocês já devem ter visto no facebook da Helô, ou no nosso. De todas as que vimos até agora, a que mais me toca, me emociona.

Ainda emocionados, nos abraçamos, os três. Agradecemos a Helô, que, gentilmente nos ofereceu nosso primeiro presente. Se deslocou de São Paulo até Campinas apenas para fazer as fotos.

A noite ela nos mandou as primeiras imagens, e depois disso fez 2 postagens. Uma delas em sua página profissional, e outra em seu perfil pessoal.

Desde que iniciamos nosso processo, acredito que esse tenha sido, sem dúvidas, um dos dias mais felizes que vivemos. Esse presente, o primeiro presente, nos marcou, e ainda vai marcar de forma indescritível nossa jornada e nosso futuro.

Helô, mais uma vez, muito obrigado pelo presente, e por nos fazer ainda mais felizes. Estamos ansiosos para ver o restante das fotos!!

O processo – parte 1

Quando Michelle e eu tomamos nossa decisão, escolhemos nosso caminho, definimos nossas escolhas não imaginávamos todos os passos que precisaríamos dar.

Desde a primeira vez que fomos até a vara da infância, na segunda quinzena de setembro de 2015, até o dia 30 de junho, quando recebemos o número 117.2XX*, nosso número no CNA, foram tantas etapas, muitos detalhes, incontáveis informações, que, creio eu, faça muita gente desistir de seguir este caminho. Mas precisa ser assim? É realmente necessário? É efetivo?

Precisamos fazer um curso, do qual já falamos um pouco, e provavelmente falaremos novamente. Ao final desse curso nos entregaram uma lista de documentos que precisaríamos juntar.

Certidões negativas de processos cíveis e penais. Atestados de sanidade física e mental. Cópias de nossos holerites, mas também poderia ser um comprovante de que temos um trabalho, explico o motivo daqui a pouco. Documentos pessoais, comprovante de residência, certidão de casamento. Fotos de nossa casa e fotos nossas. Além de declaração de participação no curso, ficha de qualificação e requerimento ao Exmo. Dr. Juiz de Direito da Vara da Infância.

Documentos separados e copiados, hora de ir ao cartório e autenticar todas as vias. Vias autenticadas, hora de digitalizar e salvar, junto das fotos, em um pendrive. Todos os documentos são entregues apenas em vias digitais.

Instruídos a levar as vias em papel dos documentos digitalizados, uma vez que poderia haver alguma dúvida, entregamos todos os documentos, a escrivã os copiou e emitiu uma declaração de recebimento de verificação de conteúdo, dizendo que todos os documentos foram entregues corretamente.

Esses documentos são analisados por um dos juízes da vara e, estando tudo correto e não havendo necessidade de mais nada, é dada ordem para que seja feita a avaliação psicossocial. Aguarda-se 60 dias. Ou mais!

Visita da assistente social, entrevistas com a psicóloga.

Sim, no nosso caso foram mais de 60 dias, na verdade 83 dias até a entrega do parecer do departamento psicossocial.

Nesse momento quero voltar às entrevistas com a psicóloga. Foi no primeiro dia que nos foi apresentada a ficha onde deveríamos preencher os dados sobre o perfil dos nossos filhos. Momento tenso, que eu relutei em pensar, mas que foi extremamente necessário.

Ministério público intimado. Promotora requer a inclusão no CNA. Juíza defere o pedido. Processo volta para o cartório da vara para inclusão no CNA, e depois é remetido para o departamento psicossocial, que faz a inclusão no cadastro da cidade. Tudo bem, eu resumi bem o que aconteceu. Entre algumas dessas etapas nosso processo ficou perdido em uma das mesas. Em outro momento a escrivã saiu de férias e ninguém fez o serviço dela. Depois o processo aparecia para nós, mas não para o departamento psicossocial. Enfim, tudo foi resolvido e conseguimos nosso tão esperado número.

Com todos os encontros e desencontros, nosso processo levou cinco meses e dezoito dias, do dia em que demos entrada, ao dia em que tivemos o nosso nome incluído no CNA. Um tempo muito curto se comparado ao de outras pessoas que conhecemos. Um tempo muito longo quando nosso desejo é o de ter nossos filhos nos braços.

Ok, processo concluído, nome no CNA, número do cadastro em mãos, e agora? Como funciona? Quando as crianças virão?

*espero que entendam o motivo de não divulgarmos o número completo. 😉

 

Filho é filho!

Filho que vem pela adoção, assim como filho parido, é filho. Adoção não é adjetivo, adoção é verbo.

Engraçado como, mesmo pessoas que vivem a adoção em suas famílias, ainda não veem os filhos, os primos, os irmãos que chegam dessa forma apenas como filhos, primos, irmãos.

Ouvimos, e talvez em algum momento nós mesmos já tenhamos falado, muitas vezes, sobre aquela família que “pegou pra criar”, ou que, “criou como se fosse filho”, ou “fez de tudo o que teria feito para um filho”. Isso em muitos momentos não mexe com a gente. Mas quando começamos a nos envolver com isso, somos afetados das mais diversas formas.

Quando ouvimos o “pegou pra criar”, temos a impressão de que a única coisa ofertada para essa criança foi a criação, talvez a educação. Mas e o amor?

Quando alguém diz que “criou como se fosse filho”, nos perguntamos o porquê de fato não é filho? O que faltou? Faltou parir? Então porque adotou se isso sempre iria faltar?

Fulano “fez tudo o que teria feito para um filho”. Desculpa, mas o Fulano não fez mais do que a obrigação dele. Afinal, filho é filho. Entendo que para quem não está habituado, pode parecer que há diferença, mas não há, e não pode haver diferença. Pelo menos não para os mais próximos.

Falo sobre essa diferença, pois, desde que iniciamos nosso caminho temos sonhado com o dia que nosso telefone irá tocar. Aliás, toda vez que o telefone toca, sobre aquele arrepio, bate aquele gelo na espinha, surge àquela esperança.

Mas não é só isso. Sonhamos com o quarto. Imaginamos como será o dia da chegada. Como será nossa adaptação, e principalmente a dela(s).

Não há um dia sequer em que Michelle e eu não falamos sobre as crianças, e muitas vezes, falamos sobre isso até dormir.

Quem já pariu, sabe o que é isso, e sabe também como é gostoso quando nos perguntam sobre a gestação, sobre os preparativos. Conosco não é diferente. E é por isso que quando ouvimos coisas como o que eu citei no início desse texto, isso mexe com a gente. Afinal, filho é filho!

Mexeu!

A última linha da parte 3 do post sobre experiência, falava sobre uma alteração que tivemos no processo naquela semana, e dizia também que decidimos não divulgar, ainda. Pois bem, naquela semana fomos incluídos no cadastro municipal de adotantes. Ainda nos restava esperar a inclusão no cadastro nacional.

Foram mais 9 dias de espera, com verificações diárias, até quinta-feira à noite, sem que não houvesse uma mudança sequer.

Hoje durante o almoço a Michelle consultou pelo celular, e havia uma mudança. Não sei se pela qualidade da conexão, ou por não saber o que aquilo significava, ela me mandou uma mensagem pedindo que eu verificasse a mudança. Tentei também pelo celular, mas onde eu estava trabalhando hoje, não havia sinal decente, nem da Claro, nem da Vivo, e eu não consegui sequer abrir o site do TJSP.

Quando consegui, finalmente, conectar meu computador, quase tive um mini-infarto. No dia 30 de junho fomos, finalmente, incluídos no CNA, mas isso só apareceu para nós, no processo digital, hoje.

Nunca ficamos grávidos, e, pelo menos para mim, imagino que o que sentimos hoje se assemelha àquela mexida que o bebê dá, e que deixa os pais com os olhos marejados. Nunca ficamos grávidos, mas a partir de agora, estamos naquela fase, “pode nascer a qualquer momento”. Só que no nosso caso, isso pode acontecer amanhã, semana que vem, em setembro, em 2017, ou depois disso.

De alguma forma, algo mudou hoje. A emoção que senti ao ler a notícia foi algo inexplicável, e que eu nunca havia experimentado. Eu estava, como ouvinte, acompanhando um treinamento, em meio a mais 17 pessoas, e não podia gritar, não queria chorar. Ok, confesso que saí da sala para fazer as 2 coisas. Não via a hora de falar pessoalmente com a Michelle, não consegui esperar para escrever isso. A expectativa foi zerada novamente. Agora só nos resta esperar!